O SIMBOLISMO DA CRUZ


A cruz é um símbolo[1] religioso e cultural conhecido nas mais diversas culturas e tradições do mundo oriental e ocidental. Sua figura geométrica é constituída por duas hastes: uma vertical e outra horizontal, cujos significados são respectivamente: relação com o Transcendente (Deus) e com o imanente (homem). Já as suas extremidades são identificadas por alguns com os quatro elementos da natureza: terra, água, fogo, ar e com quatro pontos cardeais: norte, sul, leste e oeste (WIKIPEDIA, 2011). O esoterismo interpreta as duas hastes da cruz a partir de uma visão dualista.

Seu modelo básico traz sempre a intersecção de dois eixos opostos, um vertical e outro horizontal, que representam lados diferentes como o Sol e a Lua, o masculino e o feminino e a vida e a morte, por exemplo. É a união dessas forças antagônicas que exprime um dos principais significados da cruz, que é o do choque de universos diferentes e seu crescimento a partir de então, traduzindo-a como um símbolo de expansão (FILETTI, A cruz e os seus significados, 2011).

Para os romanos, a cruz era um instrumento de morte. Os escravos, os julgados pelo império eram condenados a morrerem crucificados. A morte de cruz era considerada a mais cruel. Antes da crucifixão, o condenado era torturado ou crucificado de cabeça para baixo. Morte, que segundo a Tradição, sofreu o apóstolo Pedro.

Muitos judeus foram mortos conforme o método romano da crucificação. Por isso, os judeus tinham dificuldade de aceitar que o Filho de Deus fosse crucificado (cf. Mt 16,21-22). Na Tradição hebraica, a cruz era vista como símbolo de condenação. Era considerado “maldito todo aquele que é suspenso no madeiro” (cf. Gl 3,13; Dt 21,23).

A Tradição Cristã, desde os primeiros séculos, diferente dos judeus, via na cruz um sinal de vida, de redenção. Afirma o Concílio de Trento: “Sua sactissima passione in ligno crucis nobis iustificationem meruit – Pela sua santíssima Paixão no madeiro da cruz, mereceu-nos a justificação” (DENZINGER-Ds- 1529). Uma vez que foi na “árvore da cruz” que Deus salvou a humanidade por meio da morte cruenta de Jesus, a cruz tornou-se símbolo de vida e de esperança. Por isso, “a Igreja venera a Cruz cantando: Ó crux, ave, spes unica – Salve, ó Cruz, única esperança” (CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA- CIC- 617).

A elevação de Jesus na cruz é elevação de toda a humanidade: “e quando eu for elevado da terra, atrairei todos a mim” (Jo 12,32). “A elevação da Cruz significa e anuncia a elevação da Ascensão ao céu. É o começo dela” (CIC- 662). Santa Rosa de Lima afirmava (In: CIC- 618): “Fora da Cruz não existe outra escada por onde subir ao céu”.

Para os cristãos, a cruz não é símbolo de derrota, mas de vitória. “È pela cruz de Cristo que o Reino de Deus será definitivamente estabelecido: Regnavit a ligno Deus –Deus reinou do alto do madeiro” (CIC- 550). É na cruz que a realeza de Jesus torna-se manifesta (CIC- 440), que se reconhece a sua divindade (cf. Jo 8,27), que Jesus manifesta a sua glória (cf. Jo 12,23).

Os cristãos se gloriavam da cruz de Jesus (cf. Gl 6,14) e exaltam a sua beleza. Em seus sermões, São Teodoro Estudita (XIX), descreve a beleza da cruz e seu poder de salvação e de gerar vida. Assim expressa o Santo:

Ó preciosíssimo dom da cruz! Vede o esplendor de sua forma! Não mostra apenas uma imagem mesclada de bem e mal, como aquela árvore do Paraíso, mas totalmente bela e magnífica para a vista e o paladar. É uma árvore que não gera morte, mas a vida; que não difunde as trevas, mas a luz; que não expulsa do Paraíso, mas nele introduz. A esta árvore subiu Cristo, como um rei que sobe no carro triunfal, e venceu o demônio, detentor do poder da morte, para libertar o gênero humano da escravidão do tirano. Sobre esta árvore o Senhor, como um valente guerreiro, ferido durante o combate em suas mãos, nos pés e em seu lado divino, curou as chagas dos nossos pecados, isto é, curou a nossa natureza ferida pela serpente venenosa (ESTUDITA, In: LITURGIA DAS HORAS, v. II, 1995, p. 610).

São Teodoro via na cruz não um símbolo de derrota, mas de vitória, não de morte, mas de vida, não de fracasso, mas de elevação, não de dispersão, mas de unidade. Para ele,

Pela cruz, a morte foi destruída e Adão recuperou a vida. Pela cruz, todos os apóstolos foram glorificados, todos os mártires coroados e todos os que crêem, santificados. Pela cruz, fomos revestidos de Cristo ao nos despojarmos do homem velho. Pela cruz, nós, ovelhas de Cristo, fomos reunidos num só rebanho e destinados às moradas celestes (ESTUDITA, In: LITURGIA DAS HORAS, v. II, 1995, p. 611).

A cruz, no Novo Testamento, tem significado de renúncia. Jesus exige que aqueles que desejavam segui-Lo renunciassem ao amor próprio e abraçassem a cruz: “Dizia ele a todos: Se alguém quer vir após mim, renuncie a si mesmo, tome sua cruz cada dia e siga-me” (Lc 9,23). A interpretação desse texto bíblico ao longo da história levou muitos cristãos a tomarem uma postura radical, como o martírio, a identificação com Cristo em sua morte. Neste sentido, a cruz simboliza também a identificação do discípulo com o Mestre. Na cruz, a vida do cristão se cruza com a vida de Jesus “e é constantemente questionada pela vida de Jesus Cristo. Viver a cruz é viver essa comparação constante, que exige a minha conversão contínua” (PEDROSO, 1992, p. 113-114). Neste sentido, fugir da cruz constitui um ato de rejeição a proposta de seguir a Jesus e de viver uma vida nova configurada nele.

A cruz também é símbolo de sacrifício, de dor e de morte. É Jesus mesmo quem dá esse sentido quando faz o primeiro anúncio da sua paixão: “E disse: É necessário que o Filho do Homem sofra muito, seja rejeitado pelos anciãos, chefes dos sacerdotes e escribas, seja morto e ressuscite ao terceiro dia” (Lc 9,21).

“A cruz é dor. Também significa luta, conflito, sofrimento e até a própria morte [...]. Algumas vezes, só a morte vai livrar-nos da dor; mas mesmo estão vamos ser donos de uma vida ressuscitada”, afirma o franciscanólogo, frei José Carlos Pedroso (1992, p. 113). Para ele, a cruz ainda é símbolo do amor. Assevera:

A cruz é um símbolo muito positivo quando consideramos a vida nova que dela brota. Sem a cruz não pode haver crescimento no amor ou maturidade, nem plenitude ou equilíbrio, nem vida e energia, nem relacionamento pessoal entre Deus e a humanidade. O amor, a plenitude e a santidade só se tornam autênticos e ativos na presença de uma tensão sempre crescente (PEDROSO, 1992, p. 113).

Para os cristãos coptas do Egito a cruz é símbolo de vitória da Igreja e do seu martírio. A Cruz tatuada no pulso direito é sinal de orgulho da própria fé e de identificação num país predominado pela religião mulçumana (SANTOS, 2011).

A cruz é mistério que se contempla na nudez, no esvaziamento de Jesus. Compreender a mística da cruz, segundo o teólogo Boff (1997, p. 88) passa pela práxis e não pela razão. “Esta práxis revela o que se esconde no drama da cruz e da morte: o sentido último e a vida. Nudus Nudum Christum sequi: nu seguir o Cristo nu: eis a mística e o mistério da Cruz”.


[1] A palavra símbolo, em grego symbolê, é constituída do prefixo syn que significa com e do sufixo bolê que significa roda, círculo. Na Grécia, símbolo se refere a moeda usada como sinal. Entre os amigos se partia uma moeda ao meio e entregava-se uma parte para cada um em sinal de amizade. Portanto, a palavra símbolo significa: encaixamento, ajustamento, aproximação (SANTOS, Que é símbolo?, 2011).

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