"A LÍNGUA DO BRASIL AMANHÃ E OUTROS MISTÉRIOS" (RESENHA)



A língua do Brasil amanhã e outros mistérios é uma obra destinada a um público que se interessa pela linguagem. Publicada em 2004, pela Editora Parábola, São Paulo, sua nova edição, constituída de 174 páginas, trás temas já analisados pelo autor, como: relação entre língua e cognição, pesquisa gramatical e temas novos: falar e escrever, o portunhol, o nascimento da gramática, a etimologia popular, as línguas e o recorte da realidade, tradução e traição e cultura e comunicação. Dos doze capítulos do livro, sete são constituídos com novas temáticas. O autor de A língua do Brasil amanhã e outros mistérios, Mário Alberto Perini é especialista em lingüística, tem vasta experiência no campo acadêmico como docente em importantes universidades do Brasil: Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Universidade de Campinas (UNICAMP) e do exterior: Illinois e Mississipi (EUA). Atualmente é professor do programa de pós-graduação em língua portuguesa da PUC de Minas Gerais. Perini é autor de várias obras, dais quais destacamos: Para uma nova gramática do português, gramática descritiva do português, sofrendo a gramática, Modern portuguese, Talkin Brazilian.
No primeiro capítulo intitulado, A língua do Brasil amanhã, Mário Perini revisita um texto publicado na revista ciência hoje em 2001. Nesse ensaio examina e nega três hipóteses a respeito do futuro da língua portuguesa: perigo de desaparecimento em favoritismo do inglês, perigo de se misturar com o espanhol, perigo de concepção de formas populares, como ainda, acrescenta uma opinião mais otimista. Aplicando o conhecimento, resultado de pesquisas relacionadas a evolução das línguas, exemplificando cada situação e avaliando suas possibilidades, o autor considera que a língua e suas modalidades falada e escrita está sujeita a mudança quando novas estruturas são incorporadas e velhas estruturas são descartadas. Porém, não significa que o português esteja em perigo, ele apenas está em processo de mudança, como sempre mudou, senão ainda estaríamos falando o latim. Os argumentos e Perini são contundentes. Considerar que as mudanças que estão ocorrendo com a língua portuguesa possam causar o seu desaparecimento é um equívoco. A língua portuguesa passa e passará por mudanças, o que não significa seu desaparecimento, mas seu desenvolvimento.
O capitulo dois, um continente inexplorado, sem desejar elaborar uma crítica a gramática tradicional, o autor apresenta muitos fatos gramaticais importantes e interessantes são ignorados pelos autores atuais. Elencando alguns fenômenos gramaticais que compõem a língua portuguesa, como por exemplo: inversão da ordem dos adjetivos, o autor chega a seguinte conclusão: Muitos aspectos da língua são deixados de lado pelos gramáticos atuais pelo fato dessas gramáticas serem elaboradas tendo como modelos cópias de gramáticas antigas e nunca pesquisas ou consultas aos resultados recentes da pesquisa gramatical. A língua portuguesa, como disse o autor, é um continente inexplorado. Por mais que se tenha alcançado na atualidade grandes progressos no campo dos estudos gramaticais, ainda existe um amplo universo lingüístico e gramatical que precisa ser aprofundado.
No capitulo terceiro: As três almas do poeta, Perini procura demonstrar que a língua expressa uma concepção de mundo, ou seja, cada língua tem uma maneira própria categorizar as coisas existentes no mundo. Pela análise do fenômeno da relação entre palavra e a coisa que ela designa, o autor conclui que a língua está associada a uma forma de ver as coisas do mundo. A língua retrata o que existe no mundo e revela aquilo que passa na mente do homem. O mundo encontra diferentes significados a partir do olhar humano. A apropriação de várias línguas permite que o homem amplie seu horizonte de percepção da realidade do mundo. Concordo com o pensamento do autor. Penso que a língua é a alma de um povo. Por meio dela é possível nomear, “significar” e “resignificar” o sentido dos entes presentes no mundo. Nesse sentido, quanto maior for o domínio de diferentes línguas, quanto mais será a capacidade de interpretação do mundo.
O capitulo quarto, os dois mundos da expressão lingüística, autor tem como objetivo demonstrar que existem diferenças gramaticais entre falar e escrever, duas modalidades da língua portuguesa, como ainda busca provar que as duas posições, a saber: Que a língua correta é a escrita, que a manifestação da língua é a fala, estão equivocadas. Tecendo uma crítica as essas duas concepções, o autor chega a conclusão que há diferenças gramaticais entre o português usado na fala e na escrita o que torna impossível falar da mesma forma que se escreve. Como Perini, penso que é equivocada a classificação de uma modalidade da língua, seja escrita ou fala, como certa e outra como errada. A língua tem sua especificidade própria dependendo do seu uso. Não é possível falar como se escreve, como não convém escrever como se fala.
Com o título: Etimologia Popular, no quinto capítulo de sua obra, Mário Perini busca esclarecer que as palavras que usamos, consideradas “corretas” nos dicionários, passam por um processo de alteração histórica causada pela etimologia popular. Por meio da exposição de exemplos e análises de várias línguas, o autor chega a conclusão que na evolução das palavras estão implicados um conjunto de fatores conscientes e inconscientes. A análise do autor é pertinente uma vez que nos permite compreender as razões de certas palavras serem pronunciadas nas suas diversas formas. A cultura de cada povo, a sua miscigenação, sua expressão lingüística, usada no cotidiano, influencia de fato na alteração de uma palavra.
O capitulo sexto intitulado: Tradução e traição, Mário Perini pretende alentar os profissionais envolvidos em traduções para que sejam mais cuidadosos ao fazer uma tradução, questionando suas próprias capacidades, como: o tradutor tem conhecimento da língua em que foi escrito o texto original? Compreende sua própria língua? Tem domínio do assunto tratado na obra? Citando vários exemplos encontrados em diversidades traduções feitas para a língua portuguesa, o autor chega a conclusão que muitas das traduções publicadas no Brasil estão permeadas de erros porque muitos tradutores desconhecem: a língua do texto original, a própria língua e o assunto ou ainda, por falta de bom senso ou não revisam suas traduções. Para que seja feita uma boa tradução é necessário que o tradutor seja vigilante e questione suas próprias capacidades para executar tão importante tarefa. A preocupação do autor em torno de questões relacionadas às traduções para a língua portuguesa é de fundamental importância na atualidade. Não basta termos uma variedade de obras traduzidas quando não se respeita o texto na sua originalidade. Qualquer desconhecimento do sentido original da palavra em sua própria língua provoca alterações no pensamento do autor, como ainda, pode gerar incompreensões para o leitor.
No capítulo sétimo, Da gramática à guerra do mar, Mário Perini tem como objetivo apresentar algumas características da língua portuguesa em 1536 presentes na Gramática da linguagem portuguesa, escrita nesse período por Fernão de Oliveira. Por meio de uma análise e demonstração de exemplos citados da edição moderna de Maria Carvalho Buescu, Lisboa: Imprensa Nacional, 1975, o autor chega a conclusão que a gramática elaborada por Fernão de Oliveira, em comparação com as gramáticas modernas é incompleta por não ter dado uma atenção maior à sintaxe e à semântica, mas ao mesmo tempo é superior, pois o seu autor, descreve a realidade lingüística da época, aspecto ausente em muitos gramáticos da atualidade que se ocupam muito mais em emitir um juízo de valor. Considero de suma importância a crítica feita por Perini aos gramáticos modernos. Mais do que elaborar juízos valorativos ou estabelecer proibições referentes a língua convém que gramáticos se coloquem numa atitude de respeito diante das múltiplas realidades lingüísticas.
No capítulo subseqüente, Línguas impossíveis, Mário Perini busca demonstrar que um bebê de desde seu primeiro dia de vida já nasce sabendo algo. Pela análise das estruturas lingüísticas de diferentes línguas, como: européias, africanas, semíticas e portuguesa, o autor chega a conclusão que, independente terem nos ensinado, já nascemos sabendo algo. O nosso cérebro é programado para aprender certas coisas e outras não, o que permite que crianças possam aprender com facilidade uma língua, desde que ela tenha uma estrutura possível. Concordo com o argumento do autor. Ninguém nasce uma tábua rasa, ou seja, num estado de vazio total. Trazemos conosco capacidades inatas para aprender qualquer idéia e desenvolvê-la na experiência. O contato com as coisas do mundo e a consciência sobre elas permite que o ser humano descubra suas potencialidades e impotências. A capacidade e o desejo de aprender é um dom natural, porém, o aperfeiçoamento do saber exige esforço e aprimoramento que depende de cada indivíduo.
O capítulo nono, Decifrando Horácio, o renomado escritor, Mário Perini, tenta provar que a compreensão de uma determinada expressão lingüística só é possível a partir da apropriação da cultura da qual ela pertence. Apresentando e analisando exemplos baseados em fatos reais e historietas, o autor chega à conclusão que a compreensão não depende apenas do sinal lingüístico, mas é necessário conhecer o significado da palavra em sua cultura de origem para que seja evitado mal-entendidos. Como o autor, penso que não é necessário conhecer as regras, normas lingüísticas da gramática para se compreender determinadas palavras ou expressões. O homem é fruto de seu meio. A sua linguagem é a expressão de seu mundo. O que qualquer autor pensa, escreve, expressa só é possível conhecermos se nos adentrarmos em sua própria cultura.
No penúltimo capítulo, A gramática nasceu em Alexandria, Mário Perini tem como pretensão apresentar a origem da gramática. Citando exemplos de escritores clássicos da Grécia, Perini chega a conclusão que o nascimento da gramática não ocorreu exatamente na Grécia, mas entre aqueles que falavam grego. Os gregos ao empreenderem um estudo sobre as suas obras literárias tendo em vista conservá-las deram origem a gramática. No entanto, segundo o autor, apesar das grandes contribuições que os gregos deram, não foram capazes de contemplar o estudo da língua oral do seu tempo. Este é o aspecto negativo dos gramáticos gregos e que tornou-se herança adquirida pelos gramáticos dos tempos hodiernos. Não podemos negar, como afirma o autor, da grande importância que os gregos tiveram na produção e desenvolvimento do conhecimento humano. Os gregos deixaram-nos o exemplo de que somente preservando a arte literária é possível fazer história. A Grécia pode ser considerada com o berço onde se desenvolveu a literatura.
No último capítulo, Percepção e cognição, Mário Perini retoma o tema da intima ligação que existe entre a língua e a concepção do mundo, tratado no capitulo terceiro desta obra, apresentando novos aspectos. Busca demonstrar ainda que as noções lingüísticas se revelam como sendo de natureza cerebral. Através de exemplos do uso da língua escrita e falada nas diversas regiões do Brasil, conclui que a gramática e o vocabulário da língua, não são apenas numa tentativa de organizar os dados da língua, mas de retratar algo do que já existe em nosso cérebro. O verdadeiro sentido do estudo da gramática consiste em possibilitar conhecer alguns aspectos da nossa organização mental. O lócus onde habitam as regras gramáticas é o cérebro. O aprofundamento do autor sobre os nossos esquemas mentais é de grande importância. O cérebro, órgão que é parte de nós, ainda é um universo que precisa ser mais conhecido para que possamos melhor utilizá-lo no conhecimento de nossa língua e de suas estruturas, presentes na gramática.
A língua do Brasil amanhã e outros mistérios problematiza temas atuais de grande importância no universo lingüístico com uma linguagem bastante compreensível. A abordagem crítica feita por Mário Perini nesta obra amplia o horizonte de compreensão sobre a língua portuguesa e sua estrutura.

REFERÊNCIAS
CHARAUDEAU, Patrick; MAINGUENEAU, Dominique. Dicionário de análise
do discurso. São Paulo: Contexto, 2004.
PERINI, Mário A. A língua do Brasil amanhã e outros mistérios. São Paulo: Parábola, 2004.

Um comentário:

Unknown disse...

gostei,mas poderia ter exemplos quando refere a inversão da ordem dos adjetivos.