Ele, então, respondeu: Amarás o Senhor teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma, com toda a tua força e de todo o teu entendimento; e a teu próximo como a ti mesmo (Lc 10,27).
A vivência da castidade exige manter-se em profunda intimidade com Deus, entrega total de si mesmo, um coração pleno de sua presença amorosa.
É no mais íntimo do nosso ser que devemos amar o Cristo, oferecendo-lhe as nossas carências, afetos. Nossa relação com Ele deve ser a da amada com o seu amado. Neste encontro é possível dizer o que se sente, pedir forças para governar a si mesmo.
Para manter-se casto, penso ser importante evitar certos ambientes, certas conversas, manter-se austero no olhar, no ouvir, no comer.
O livro do Apocalipse diz: “Saí dela, ó meu povo, para que não sejais cúmplices dos seus pecados e atingidos pelas suas pragas” (18,4). O texto faz referência à cidade de Roma, símbolo da prostituição. Hoje, existem também muitos ambientes babilônicos que são empecilhos para se viver santamente a castidade. Sair da Babilônia consiste em renunciar a toda uma vida de pecado, de prostituição com tudo aquilo que nos afasta de Deus. O lugar do consagrado não é a Babilônia, mas a Jerusalém, lugar sagrado.
Para manter-se casto é indispensável a humildade. Reconhecer que as colunas que sustentam nossa cidade interior são feitas de barro. Somos limitados. E, são esses limites que precisam ser trabalhados, refletidos. Para que possam ser trabalhados é preciso aceitá-los, assumi-los como meus.
Lendo os escritos de Santa Catarina de Bolonha, da Ordem de Santa Clara, encontrei alguns elementos que são necessários para bem viver o voto de castidade. Catarina diz que devemos nos revestir da armadura de Deus para que possamos resistir às ciladas do demônio. Segundo Catarina as armas necessárias são: diligência, desconfiança de si mesmo, confiança em Deus, lembrança da paixão, pensamento de sua própria morte, recordação da glória de Deus, autoridade da Sagrada Escritura.
Diligência: Implica em está atento, vigilante;
Desconfiança de si mesmo: Reconhecer que temos limites e que podemos não ter controle sobre eles. Significa ainda ser capaz de refletir: Este sentimento convém ao meu estado de vida? Podemos ser traídos pelos nossos próprios sentimentos. A pessoa que não delimita territórios, que se acha super potente para enfrentar tudo sozinho, está mais sujeita ao fracasso. Desconfiar de si mesmo implica ainda tomar consciência de que nem sempre fazemos o bem que queremos e sim, o mal que não queremos, como disse São Paulo (Rm 7,20). É necessário discernir: O que sinto, o que pretendo fazer está de acordo com o que Deus deseja? Convém ainda agir com prudência: sei até onde posso ir. Sei até onde posso nadar. Nunca dar um passo além do que possa alcançar. Não devo me envolver em situações que não sei como sair ileso;
Confiança em Deus: Não posso confiar simplesmente em mim mesmo, em minhas potencialidades. Confiar em Deus significa lançar-se sem medo em seus braços e dizer: “Cuida de mim. Não sei para onde ir nem o que fazer se não com tua ajuda”. Acreditar que Deus não nos abandona no combate e que favorece as armas e munições necessárias para a nossa vitória. Aquela que confia em Deus é “como árvore plantada junto aos riachos: dá seu fruto no tempo devido e suas folhas nunca murcham; tudo o que ele faz é bem sucedido” (Sl 1,3). A confiança em Deus nos fortalece nos momentos de crises, incertezas, fragilidades, perigos para a nossa alma;
Lembrança da paixão: Recordar os sofrimentos de Cristo nos ajuda a superar os nossos. Ele enfrentou com determinação a morte e a dor. Ele morreu por mim. Cada vez que cedemos às artimanhas do inimigo, tornamo-nos ingratos para com Jesus, que tanto nos amou, e que por amor se entregou por cada um de nós na cruz;
Pensamento de sua própria morte: Pensar na morte nos ajuda a tomar consciência que somos finitos. Não sabemos quando nos encontraremos diante de Deus, a quem prestaremos contas de nossa vida. O pensar na morte nos motiva a viver santamente cada instante da vida, uma vez que desconheço o dia do fim dessa vida. Com certeza, se soubéssemos que morreríamos hoje, seríamos totalmente diferentes. Pensar na morte para ser adquirir a vida verdadeira. Pensando na morte, penso na vida eterna, que é conquistada desde já, como diz o hino em honra de Santa Catarina de Bolonha: “Já no céu ela vivia, pelo céu a suspirar”;
Recordação da glória de Deus: Pensar na glória de Deus é um estímulo para quem deseja lá chegar. É para contemplar essa glória que marchamos. Quem luta em vista desse ideal: contemplar Deus face a face se sente animado, encorajado para ir até o fim;
Autoridade da Sagrada Escritura: A meditação da Palavra de Deus norteia nossos passos. É na escuta da Palavra que vamos descobrindo qual é o melhor caminho a ser trilhado. O encontro com a Palavra nos conforta e revigora, nos ilumina e encoraja. É por meio da Palavra que se escuta a voz do Amado, que podemos responder aos seus apelos.
A vida consagrada é transpassada pela dimensão da cruz e da ressurreição. Para se chegar ao estado de ressurreição temos que aprender a carregar a cruz com amor. “O fiel servo de Cristo deve estar pronto a seguir o caminho da cruz, porque todos os que servem a Deus têm de lutar contra os adversários do mesmo Deus, e esperar deles vários e acerbos ferimentos”, afirma santa Catarina de Bolonha.
“Viver a castidade é viver, pessoalmente e como Igreja, a aventura do amor de Deus” (Carlos Pedroso). O casto é alguém imbuído pelo desejo de amar totalmente a Deus. Eu me abro ao seu amor e a Ele correspondo com todas as minhas energias. Não renuncio a ter esposa apenas por renunciar, mas porque encontrei um Bem superior, por quem sou atraído. Com Ele firmo uma aliança de fidelidade. Esta aliança deve ser renovada diariamente. Como um casal, se não dialoga, se não se encontra, se não demonstra seu amor um para o outro, acaba esfriando o relacionamento até se acabar. Com Deus não é diferente.
A oração é o canal que permite: estar juntos, amar e ser amado, encontrar o consolo, o carinho do amado, encontrar forças para suprir as carências. O belo nos atrai. Imagine se nós descobríssemos esta beleza que é Deus na oração, já não mais haveria espaço para outras coisas ou pessoas (ídolos).
Dois elementos são indispensáveis para bem viver a castidade: oração e boa convivência fraterna. É na fraternidade que somos canais da liberação e da recepção do amor. Na medida em que amamos o irmão somos amados. Se faltarem na vida fraterna o carinho, a atenção, a acolhida, seremos tentados a buscar fora algo que nos preencha. Por isso, é importante cultivar laços fraternos; não fechar-se em si mesmo, mas abrir-se para o outro. Ninguém pode viver para si mesmo e ser feliz.
A imaginação é um elemento importante para se viver bem ou mal a castidade. Se fizer uso da imaginação para projetar imagens que não convém ao meu modo de vida, ela será uma inimiga. Se a imaginação é um perigo, também é uma saída. Usá-la para pensar coisas edificantes, para está em oração permanente com Deus. É preciso vigilância sobre a imaginação e não fazer da imagem uma realidade.
Desprender-se de uma imagem do passado evita tornar presentes experiências vividas. Não posso continuar com um olho no passado e outro no futuro, com um ouvido no passado e outro no presente, com os pés no passado e outro no presente, com uma mão no passado e outra no presente, com o coração dividido entre o amor do passado e o do presente. Devo estar por inteiro voltado para Deus. Devo possuir um coração indiviso: Ele é o meu tudo, o que me realiza, o que me satisfaz, me preenche, que me dá prazer.
A minha esposa é a causa que abracei: a causa de Deus ou o próprio Deus. É para esta causa que devo canalizar todas as minhas energias e potencialidades. O homem velho já morreu. O que importa agora é o homem novo.
Diz o ditado: “Só se esquece um velho amor quando um novo aparece”. Se, de fato, Deus é este novo amor, não convém ficarmos presos as recordações de antigos amores. Chega de saudosismos que não nos ajudam a nos mantermos castos. Para tudo há um tempo. O hoje não pode ser como ontem. Quem vive do passado acaba se esquecendo de viver intensamente o presente. Não posso fazer voto de castidade acreditando na possibilidade de um dia estabelecer uma relação conjugal. Isso não é possível. São dois extremos. É preciso cair na real, extinguir toda ilusão: ou eu quero ser isto ou não quero. Não há negociação. De dia eu não serei religioso (esposo do divino) e a noite serei esposo de Maria. Esta esquizofrenia não pode existir na vida consagrada. A minha decisão deve ser feita com a consciência de que é para toda a vida.
Ao pensar nisso, observo uma flor que cai. Como esta flor que um dia se desenvolveu, cresceu, exalou seu perfume e que caiu para outra nascer, assim também, deve ser a nossa vida. Quando chegarmos a maturidade devemos morrer para deixarmos espaço para a flor do amor de Deus crescer no jardim do nosso coração.
Convém ocupar a mente com coisas sadias: leituras, contemplação, meditação das realidades divinas. A janela da alma (olhos) deve ser vigiada para que não entre “o ladrão que só vem para matar, roubar e destruir” (Jo 10,10) quando penetra na nossa casa interior. Ascese no olhar. Observar o mundo com os olhos de Deus: “Tudo é permitido, mas nem tudo convém. Tudo é permitido, mas nem tudo edifica” (1Cor 10,23). Sou livre, mas minha liberdade deve consistir em agir no amor e para o Amor que é Deus. Sou livre quando sou capaz de escolher, e escolher o bem.
Não temer as tentações. Se formos tentados é sinal que somos de Deus. O “inimigo” tenta derrubar aqueles que não são seus. O que não se sente tentado é porque já se entregou a vontade do tentador.
Meu relacionamento com o outro deve ser na liberdade. Onde houver dependência é sinal de que o amor de Deus não está aí. De um único devo me fazer escravo: Deus. A Ele minha dependência deve ser extrema. Quanto mais escravo Dele eu for, mais livre serei dos ídolos do poder, prestígio e do prazer. Esta independência não é só em relação às pessoas, mas as coisas. Podemos até não ter uma namorada/esposa, a “Maria”, mas ter apego a “dona Joana máquina fotográfica” ou a seu “Joaquim celular, automóvel”. Preciso por limites entre o desejar e o possuir. Se aos poucos vamos cedendo a uma coisa ou outra acabamos caindo na prisão do acúmulo. Uma pequena brecha pode com um tempo tornar-se uma grande abertura.
A castidade me deixa livre para assumir o compromisso pelo Reino. É por Jesus que devemos consumir nossas vidas, no serviço da Igreja, da Ordem e dos irmãos. Não retendo nada para si, mas tudo oferecendo como dom total. Sacrificar-se por Cristo, oferecer-se aos irmãos dedicando-lhes tempo para escutá-los. Nunca negar o apelo da Igreja que sofre, que necessita de nossa disponibilidade. Se, deixei família, esposa foi para oferecer 100% do meu ser.
“Se o grão de trigo que cai na terra não morrer, disse Jesus, não produzirá frutos, mas se morrer produzirá muitos frutos” (Jo 12,24). É pela minha entrega, é pelo despojamento de si mesmo que produziremos muitos frutos de alegria, paz, felicidade para nós mesmos e para os outros. É o meu tudo que devo oferecer. Não reter nada para si.
A escolha pela Vida Consagrada precisa ser pensada, refletida, pois temos que escolher entre dois bens e ainda, porque a vida é uma só (não tem replay).
Sejamos responsáveis pelas nossas escolhas. A nossa felicidade depende das opções que fazemos.
PARA REFLETIR:
· A quem você tem oferecido a sua vida, a Jesus, amado esposo ou outros amantes?
2 comentários:
Saudoso irmão em cristo, paz e bem! Belíssimas são tuas convicções e partilhas.
Todos passamos por provações, e é exatamente por isso que é tão importante orar pelos vocacionados e aspirantes, pois quem deseja ver a deus precisa morrer e outrossim nascer para a vida eterna segundo santa teresa de ávila, e isso não é nada fácil.
Muitos perdem o direcionamento do caminho ou são dissuadidos para buscarem "as coisas da terra", esquecendo "as coisas do alto"!
Penso que praticar a castidade é sermos servos integrais, uma luta diaria, uma entrega una, santa, autêntica em comunhão com o Pai. É nos revestirmos completamente com o Seu espírito e sentirmos a plenitude do amor de Deus que nos conhece desde o nosso seio materno. Viver a castidade é pensar no compromisso que assumimos com o Pai, e sentir a libertação com a percepção da máxima: "Já não sou eu quem vivo. É cristo que vive em mim." (Gl 2,19-20).
Que os dons do espírito santo recaiam sobre ti, e amplie ainda mais sua fé, conversão e amor no cristo.
Abraço fraterno,
Janaina Pinheiro
Olá! Passando para conhecer seu blog. Parabéns por ese espaço de reflexão e evangelização. Que muitos que por aqui passarem sintam-se contagiados pelas palavras de que brotam de seu coração, sintonizado com o coração de Cristo.
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