
A caminhada quaresmal é feita em etapas. Depois de um longo percurso percorrido, o Povo de Deus fez uma parada, armou sua tenda para celebrar a passagem da escravidão para a liberdade (Js 5,10). Também nós, como partícipes do Povo de Deus, necessitamos fazer uma parada para pensar sobre o caminho já percorrido: O que mudou na minha vida durante o período da Quaresma? Estive aberto para fazer uma verdadeira experiência transformadora no deserto da minha existência? Respondi ao apelo de conversão manifestado na Palavra do Senhor?
Celebrar a Páscoa exige que tenhamos percorrido o deserto da mudança de vida. O Povo de Deus que se manteve fiel provou dos frutos da terra prometida (Js 5, 12), ou seja, pôde experimentar a realização das promessas de Deus. Também nós, se nos mantermos firmes nos caminhos do Senhor receberemos as suas bênçãos. Ao contrário, aqueles que se afastam da presença do Senhor encontram não a vitória, mas a derrota.
O filho mais novo do qual fala a parábola do filho pródigo (Lc 15, 11ss) deixou a casa paterna iludido por um desejo de falsa liberdade. Porém, que decepção! Ele não encontra outra coisa senão o “fracasso”. Ao invés de liberdade encontrou escravidão (cuidar de porcos - Lc 15, 15), ao invés de abundância encontra a miséria e a fome (Queria matar a fome com as bolotas que os porcos comiam - Lc 15.16).
O evangelista não menciona o nome do filho mais novo, porque ele representa todo aquele que abandona a casa do Pai para percorrer os caminhos do esbanjamento e da prostituição, do pecado com a desculpa de busca da felicidade. Aliás, hoje há uma falsa concepção de liberdade (ser livre é fazer tudo o que se deseja) e de felicidade (ser feliz é possuir, viver o prazer desmedido).
A parábola do filho pródigo nos ensina que o homem distante de Deus encontra a escravidão, a infelicidade, angústias e tristezas. Deus é a nossa maior e mais preciosa herança. Tudo o que esteja fora de Deus não passa de miséria. Dizia o bispo de Hipona, Santo Agostinho: “Toda a abundância que não é o meu Deus é para mim indigência”.
Tenho encontrado tantas pessoas angustiadas, tristes, desanimadas, sofridas, destruídas humanamente e espiritualmente por terem colocado o sentido de sua existência não em Deus, mas nas “iguarias” oferecidas por esta sociedade consumista. O consumismo tem sido a causa da perda do sentido da própria existência de muitas pessoas. Esta sociedade consumista tem nos oferecido “lixo tóxico” como se fosse um valor.
É necessário tomarmos consciência que é preciso fazer o caminho de volta à casa do Pai. Sentir saudades do aconchego da casa paterna. Como o filho mais novo, somos chamados a levantar-se e partir ao encontro dos braços e abraços do Pai (Lc 15,18). Neste retorno, o filho mais novo não voltou o mesmo: tinha amadurecido, estava arrependido (pequei contra o Céu e contra ti - Lc 15,18), tornou-se humilde (já não sou digno de ser chamado teu filho. Trata-me como um dos teus empregados- Lc 15,19).
O caminho de volta não é fácil, mas é possível quando se tem determinação. Aquele que se propõe a fazer o caminho de volta já não é mais o mesmo.
O apóstolo Paulo afirma que, “se alguém está em Cristo, é nova criatura. Passaram-se as coisas antigas; eis que se fez realidade nova” (2Cor 5,17). Não importa o que tenhamos feito. A misericórdia de Deus nos permite recomeçar, ser um homem novo.
Há pessoas que vivem infelizes porque não são capazes de perdoar a si mesmas pelos erros que cometeram. O processo de conversão exige aceitação, assumir os próprios limites. Não convém condenar a si mesmo pelo passado. Todos nós erramos. Devemos perdoar a nós mesmos, pois Deus em sua imensa misericórdia já nos perdoou.
É tempo de olhar para frente. É tempo de levantar-se e reconciliar-se com Deus, como nos convida o apóstolo: “Reconciliai-vos com Deus” (2Cor 5,20).
A reconciliação tem uma tríplice dimensão:a) Com Deus: Volta à fidelidade; retorno à casa paterna;b) Consigo mesmo: Perdoar a si mesmo;c) Com o próximo: Perdoar os que nos ofenderam. Paulo diz que o Senhor nos “confiou o ministério da reconciliação” (2Cor 5,18). Precisamos ser para o irmão “embaixadores” da paz, do perdão e do amor. Este é o grande serviço que podemos exercer a favor do outro: oferecer o perdão.
Reconciliar-se com Deus implica: Arrependimento (reconhecer que errou), penitência (fazer o caminho de volta para a casa do Pai) e confissão (humildade para dizer: Pai, pequei contra o céu e contra a ti, já não sou digno de ser chamado teu filho (Lc 15,21).
Uma vez que nós passarmos por esse processo de reconciliação com Deus poderemos participar da festa da vida, onde não haverá mais luto, mas alegria e dança (Lc 15,25), onde não haverá mais miséria, mas banquete (novilho gordo - Lc 15,23), onde não seremos tratados como escravos, mas readquiriremos nossa dignidade de filhos herdeiros (túnica, anel, sandálias - Lc 15,22).
Deus é o Pai misericordioso que espera com paciência o retorno do seu filho. A porta da sua casa está sempre aberta para aquele que deseja sair de uma realidade de morte para uma realidade de ressurreição.
Portanto, corramos ao encontro do Pai para que possamos encontrar a felicidade.
PARA REFLETIR:
· Em que lugar você se encontra, na casa do Pai ou distante dela?
· Vivo uma vida de reconciliação com Deus ou de indiferença?
· Você tem tido a humildade para reconhecer os erros e corrigi-los?
· Que imagem de Deus você carrega em seu coração, do Pai misericordioso ou do patrão castigador?
· O que tem impedido você de recomeçar sua vida?
· Meus sentimentos e atitudes, são do escravo ou do filho?
· Você tem saudades da casa do Pai ou já se acostumou com sua ausência?
· Na sua vida, transparece mais a dimensão do luto ou da festa?
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