
Ensino e formação são palavras que parecem ter o mesmo sentido na esfera educacional. Mas não é bem assim. Ambas a modalidades são distintas e têm objetivos diversificados.
O ensino se caracteriza por um ato educativo que na maioria das estâncias escolares se resume a um transmitir conhecimentos. Porém, “ensinar não é transferir conhecimentos, conteúdos, mas criar possibilidades para a sua produção ou a sua construção” (FREIRE, 2004, p. 22).
Numa perspectiva de uma prática educativa como mera transmissão de conhecimentos, o aluno (sem luz) é visto como uma "tabua rasa" ou "depósito" do conhecimento. Nega-se qualquer ação do sujeito da aprendizagem.
No modelo de educação como ensino os "conteúdos", conceitos são postos como prioridades na prática escolar. O objetivo do ensino a partir dessa perspectiva consiste em preparar sujeitos intelectualmente bem constituídos, detentores de um conhecimento que seja útil para sua instabilidade no mundo do trabalho. Nessa prática escolar moldada na ênfase do ensino a aprendizagem tem um caráter utilitarista, pois visa preparar o sujeito para algo, como: passar em concurso, enfrentar a concorrência no mercado de trabalho, passar em um exame de vestibular, etc.
Algumas escolas têm se tornado uma espécie de “sala vip” ou “academia” que prepara o indivíduo para sua entrada na universidade. Educar tem se resumido a despejo, transmissão de conhecimentos desvinculados com a configuração de um homem novo movido por princípios éticos, essenciais para a concretização de uma nova sociedade fundamentada por relações de solidariedade e não de competição. Há um espírito capitalista imbuído na organização escolar que nos lança nesse espírito diabólico da competição.
No mundo da técnica, globalizado, onde são produzidas e difundidas constantemente e de forma rápida milhares de informações, mas de pouca reflexão, numa sociedade permeada pelo relativismo de tudo e de todos, onde o saber experimentado, adquirido, transmitido pela tradição é posto à margem, o ensino como prática transmissora de conhecimentos encontra seu lócus primordial.
Só que este processo de ensino que nega a experiência e apenas enfoca um saber adquirido fora da prática, trás consigo um elemento negativo na constituição do humano chegando ao cume de atrofiar o sujeito educativo, impedindo-o de chegar a um esclarecimento, a uma saída de sua menoridade.
Eis o que tem acontecido nas práticas escolares desenvolvidas nos tempos hodiernos: Temos preparado muitos sujeitos preparados intelectualmente, porém desqualificados humanamente. O ensino tem se preocupado em trabalhar uma dimensão racional do sujeito esquecendo de trabalhar suas dimensões afetivas, humanas, existenciais. A educação da razão (intelecto) e não para o amor, para a compaixão, para a solidariedade e para o humanismo.
Os efeitos desse modelo escolar são negativos no sentido de que possibilita a negação ao sujeito de poder adentrar num processo de mudança de si mesmo e do mundo que o cerca.
“É por isso que transformar a experiência educativa em puro treinamento técnico é amesquinhar o que há de mais fundamentalmente humano no exercício do ato educativo: o seu caráter formador” (FREIRE, 2004, p.33).
Esse modelo de ensino proporciona desenvolver no sujeito o "instinto da tartaruga", ou seja, da acomodação, do medo de enfrentar os desafios, do fechamento em seu próprio mundo. O “instinto da águia”, aquele que permite o sujeito sair do comodismo, que possibilita a superação de si mesmo, que o lança em olhar crítico para o mundo, que dar condições de alçar o vôo da liberdade é reprimido.
O modelo educativo que se resume ao ensino tem posto o indivíduo no "banco de reserva da sua própria história". Despreparado para a vida com seus múltiplos desafios, conflitos, crises, o sujeito se encontra perdido, sem nenhum referencial orientador com o qual possa conduzir a si mesmo. A escola não prepara o sujeito para lhe dar com a sua própria vida, não qualifica a pessoa em sua inteireza, mas o contrário, muitas das vezes o retarda nas suas habilidades.
Estamos assistindo pela janela da acomodação um processo educativo que não forma, mas deforma, que não educa, mas deseduca. Temos produzido nos laboratórios escolares sujeitos sem capacidade reflexão, de crítica, de questionamentos. Ao sujeito não é ensinada a arte de perguntar, mas a de dar respostas de conhecimentos já prontos, estabelecidos como verdadeiros.
Neste modelo da educação com base no ensino a educação deixar de exercer seu papel fundamental: formar um cidadão livre, consciente, responsável, esclarecido.
Um comentário:
Parabéns Frei, adorei o texto.
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