"Koinonia"


Percorridos dois milênios de caminhada do cristianismo, atos de discórdias, de divisões, discordâncias e guerras em nome da fé, procedimentos contrários aos ideais evangélicos e cujas conseqüências perduram até hoje, tiveram relevância na vida dos cristãos, conduzindo-os a tornarem-se indiferentes na construção de uma "humanidade nova", que seja flexível de conviver com as contradições e dissensões que subsistem no mundo moderno. Ecumenismo é caminhada rumo a superação das divisões, é a busca da unidade na diversidade, no respeito a fé e a Igreja do outro. Isso exige superação de tudo aquilo que nos impede de estarmos juntos. O Apóstolo Paulo com seu exemplo, nos ensina a vencermos os preconceitos, estando abertos para aceitar as diferenças. Escrevendo à comunidade de Corinto, testemunha sua disposição e capacidade de se relacionar com o diferente: Com os judeus, comportei-me como judeu, com os que estavam sujeitos à lei, comportei-me como estivesse sujeito a lei. Com aqueles que vivem sem a lei, comportei-me como vivesse sem a lei...Tornei-me tudo para todos, a fim de salvar algum a qualquer custo (1Cor. 9,20-21.23). A base de nossas relações deve está intrínseca nos valores do Evangelho (1Cor. 9,23) que nos motiva à solidariedade e ao amor fraterno: Amem-se uns aos outros (Jo. 15,12 a). A unidade dos cristãos, é antes, um encontro no amor. Um amor que supera barreiras, um amor sem exclusões que não pode ser condicionado nem pelas diferenças nem pelos erros, nem pelo mal20, pois é contra o real perfil do amor. O amor oblativo (ágape), que nos condiciona ao serviço (Gl. 5,13b), que nos leva a agir por atitudes de cooperação e não de competição, deve constituir o fundamento do ecumenismo. Ao contrário será em vão nossos propósitos em favor da unidade. Precisamos nos mantermos unidos por laços de amor para não cairmos em tentações egoístas, condutoras de mecanismo divisores. São Paulo adverte: Mas, se vocês se mordem e se devoram uns aos outros, tomem cuidado! Vocês vão acabar destruindo-se mutuamente (Gl. 5,15). Esse amor opõe-se ao orgulho, aos interesses pessoais, ao rancor (1Cor. 13, 4-5), é capaz de transformar realidade de morte em vida (1Jo. 3,14). O orgulho rebaixa, prostitui a dignidade do homem, tornando-o indiferente, incapaz de comunicar-se e de se entender com os demais (Gn. 11,4.7). Somente quando nos deixamos guiar pela manifestações do Espírito de Deus, passamos a nos entendermos (At. 2,6), apesar das diversidades (At. 2, 9-11). A Igreja é chamada a experimentar a experiência de Pentecostes (diálogo) e não a de Babel (caos). O ser humano tem tendências individualistas, criamos nosso próprio mundo, para nos distanciarmos dos outros. Esse tipo de comportamento é mais enfocado na cultura ocidental, onde há uma influência enorme do liberalismo, até mesmo no universo religioso Prevalece em algumas instituições religiosas uma ideologia possessiva de Deus, passando a creditarem que a divindade suprema é propriedade exclusiva de seus recintos religiosos. A ignorância religiosa, conduz indivíduos a se julgarem possuidores da verdade, negando qualquer diálogo ou questionamentos. Nesse sentido, é preciso revermos certas crenças. É necessário mudarmos o conceito reducionista sobre Deus. Deus não mantém contrato exclusivo com nenhuma instituição religiosa, mas com todo um povo que por Ele é escolhido (Sl. 33,12) e formado (Is. 43,21). Seu amor é revelado para toda a humanidade (Jo. 3,15). O seu Espírito manifesta-se em todo o universo (Sb. 1,7), e não apenas em alguns. A Bíblia conta que na caminhada do povo de Deus pelo deserto, um jovem comunicou a Moisés que dois homens que não estavam na tenda da reunião, tinham recebido as manifestações do Espírito. Indagado por Josué a proibi-los, respondeu: Você está com ciúme por mim? Oxalá todo o povo de Javé fosse profeta e recebesse o Espírito de Javé (Nm. 11,26-29). Da mesma forma, os discípulos de Jesus queriam reduzir e manipular sua missão, proibindo aqueles que não faziam parte do seu grupo de exercer uma ação libertadora: Mestre, vimos um homem que expulsa demônios em teu nome, mas nós lhe proibimos, porque ele não nos segue (Mc. 9,38). Jesus não quer que o grupo dos seus seguidores se torne fechado, por isso repreende-os dizendo: Não lhe proíbam, pois ninguém faz um milagre em meu nome e depois pode falar mal de mim. Quem não está contra nós, está a nosso favor (Mc. 9, 39-40). Há o perigo de nos fecharmos em "nossas verdades", como fez a Igreja de Laodicéia: Sou rica! E agora que sou rica, não preciso de mais nada (Ap. 3,17). A auto-suficiência impregnada em certas instituições religiosas, condicionando-as a se considerarem autênticas possuidoras dos meios da salvação. A idéia de que para ser salvo é preciso "converter-se a minha Igreja", não é verdadeira, uma vez que Jesus não é de posse particular de nenhuma denominação religiosa, mas Ele é o caminho, a verdade e a vida (Jo. 14,6), porta que conduz à vida (Jo. 10,9-10), Luz (Jo. 8,12), modelo de pastor (Jo. 10,11) e mediador (1Tm. 2,5) para a salvação de todos aqueles que nele depositam sua confiança (At. 16,31;1Tm. 1,15) e não unicamente de uma classe considerada privilegiada. Fechar-se em um mundo de relações estreitas, não convém ao cristão. O cristianismo é antes de tudo diálogo (At. 15,1-29), acolhimento (Rm. 14,1), convivência que nos torna todos irmãos. Somente por essa via a unidade passará de sonho, para ser de fato uma realidade vivenciada por todos. Quando isso ocorrer, poderemos afirmar como São Paulo: Não há mais diferença entre judeu e grego, entre escravo e homem livre, entre homem e mulher, pois todos são um em Jesus Cristo (Gl. 3,28). Esse novo mundo ecumênico é possível! Como dizia o poeta Fernando Pessoa: Deus quer, o homem sonha, a obra nasce. A religião cristã penetrada de um sincero amor fraterno que sem simulações, conclama a todos a vivência da "irmandade universal". Enquanto chamarmos Deus de pai em nossas orações (Mt. 6,9), e esquecermos que somos irmãos, não passará nossos esforços de uma corrida atrás vento (Ecle. 1,13 a), de inutilidade, de uma mentira (1Jo. 4,20-21). De baixo do céu há um momento para tudo, e tempo certo para cada coisa (Ecle. 3,1). O tempo agora , é de despertar, de acordar (Ef. 5, 14b), sair do comodismo a fim de nos posicionarmos numa luta que tenha como objetivo a ser conquistado, a unidade. Só seremos verdadeiramente cristãos, na medida que formos capazes de direcionar as nossas ações religiosas em prol da edificação de uma sociedade alternativa, baseada nos princípios da unidade e da paz. É evidente que isso não ocorre imediatamente. Exige tempo, reflexão, paciência, como diz o provérbio, citado por Jesus: Um semeia e outro colhe (Jo. 4,37). O importante é tomarmos consciência que somos convocados a colaborar, plantando e regando (1Cor. 3,6), nas Igrejas, campo e construção de Deus (1Cor. 3,9), sentimentos que nos unem e não que nos dividem, o mais vem de Deus, pois é ele quem faz crescer (1Cor. 3,7). O ecumenismo é uma proposta de vida, um sinal luminoso do mundo que não crê e para todos que acreditam que a competição, a concorrência, o individualismo, as divisões terão a definitiva palavra. A história do povo de Deus e das religiões, não pode ser mais moldada pela ausência do diálogo, mas como acreditava Dom Helder, as religiões devem dialogar e caminhar juntas, para ser a consciência ética da humanidade e o grito dos empobrecidos. No momento que isso ocorrer, aí sim, haverá um só rebanho e um só pastor (Jo. 10,16). Para isso, não é preciso negarmos nossas confissões religiosas. Podemos constituir uma só Igreja, sendo "católico" no anúncio da verdade do Evangelho, "protestante" contra os males e abusos contra a vida, "ortodoxo" em mantermos os valores do Reino de Deus. A caminhada é longa e árdua. Somente depois de décadas de diálogo, perdão mútuo e muito exercício da humildade e da paciência, veremos cumprir o desejo de Jesus de que todos sejam um (Jo. 17,21). Urge, portanto, começar hoje. Como dizia o irmão universal, Francisco de Assis: Irmãos, comecemos a servir ao Senhor, porque até agora pouco temos feito.
Fr. Rufino Pinheiro

Nenhum comentário: